DECISÃO DE ASSEMBLÉIA NEM SEMPRE É SOBERANA

Em condomínios, a vontade da maioria, desde que atingido o quórum legal, sempre prevalece. No entanto pode, em alguns casos, impor situações injustas em desfavor de um ou outro condômino que acaba sendo penalizado, como, por exemplo, pagar mais por um serviço utilizado igualmente por todos os moradores ou mesmo impor a construção de uma obra que pode gerar dano a determinada unidade, a ponto de desvalorizá-la.

Com base no Código Civil, se a assembleia aprovar, por exemplo, a construção de uma laje para cobrir os automóveis de dezenas de condôminos e essa inovação vir a prejudicar a ventilação, retirar a incidência de sol no apartamento térreo, o dono deste, poderá de maneira individual, impedir a realização da obra, mesmo que esta tenha sido aprovado por mais de 90% dos condôminos.

Por saber que a coletividade pode cometer abusos, agir de forma egoísta ou inconsequente por não se preocupar em prejudicar um vizinho, o Código Civil contém dispositivos que permitem que uma deliberação ou cláusula da convenção possa ser derrubada em determinadas situações. Caberá a parte prejudicada agir com celeridade e conhecimento jurídico para requerer a nulidade da deliberação que resulte em enriquecimento sem causa, que pode ser configurada pela cobrança abusiva da quota de condomínio em percentual maior ou acima do rateio igualitário sobre uma unidade maior, sem que esta usufrua a mais do serviço que é prestado na área comum. Se todos os apartamentos usufruem exatamente da mesma forma da manutenção, conservação, obras e dos empregados que prestam os serviços nas áreas comuns, o pagamento deve ser feito de maneira igualitária, já que o tamanho da unidade (cobertura, apto tipo ou térreo) não gera maior custo, pois o rateio de despesas decorre da área externa e não do interior das unidades. Há ainda situações em que é abusiva a cobrança de um apartamento ou de uma loja, por serviços que esta unidade não usufrui ou não a beneficia.

Princípios jurídicos – A cláusula da convenção ou a deliberação da assembleia que venha afrontar princípios jurídicos ou algum artigo do Código Civil, por serem hierarquicamente superiores, poderá ser invalidada judicialmente. Para não deixar dúvidas, reproduzimos parte do Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual entendeu ser ilegal a cobrança da quota de condomínio com base na fração ideal, pois ela obrigava um proprietário a pagar por serviços que não beneficiavam a sua unidade, mas que o condomínio insistia em cobrar pela fração ideal pelo fato dessa regra constar na convenção, já que o inciso I, do artigo 1.336 do Código Civil permite.

Ocorre que, a aplicação do inciso I, do artigo 1.336 não pode ferir quatro outros artigos do Código Civil que consagram que um contrato deve ser elaborado com boa-fé, não pode gerar situação de desequilíbrio ou lesão, deve atender a função social, ou seja, ser justo, sendo vedado qualquer aprovação ou rateio que acarrete enriquecimento sem causa.

Vejamos os argumentos dos Desembargadores da 19ª Câmera Cível do TJRS, na Apelação Cível nº 70015385883, que isentou o proprietário do apartamento térreo de pagar despesas com elevador e outros itens que estavam sendo imposta a ele com base na fração ideal:

“No nuclear, não podem os apartamentos térreos contribuir na mesma proporção de seus equivalentes em andares elevados sobre despesas que não dão origem, sequer em potencial; não podem participar do rateio em igualdade de condições – quer dizer, pelo fator da fração ideal – se não se utilizam, nem em potencial, de serviços como os de elevador, p.ex. O debate central já é conhecido desta Câmara, que assim decidiu, por ocasião do julgamento da AC 70001513902 em 2003, relator o signatário: (…) LOJA TÉRREA QUE NÃO TEM PARTICIPAÇÃO NAS DESPESAS RELATIVAMENTE A ÁREAS DE USO COMUM NÃO PAGA CONDOMÍNIO”

O processo acima citado referia-se a caso em tudo similar ao presente. Citamos a seguir a fundamentação do relator, acolhida por unanimidade pelo colegiado:

“Primeiramente, nem tudo o que a Convenção de Condomínio disse será fato, será ‘lei entre os condôminos’, se o dito ferir a lei e a lógica.

“A imposição de participação do autor nas despesas condominiais não se justifica nem pelo fundamento lógico, nem pelo jurídico, ambos infringidos pela Convenção, firmada com óbvio intuito de, prejudicando o autor, plasmar o locupletamento injustificado e irrazoável dos demais condôminos, que aí teriam alguém mais com quem ratear as despesas condominiais. Não colhe.

“As lojas, no caso em tela, possuem acesso próprio à via pública, tendo seu próprio controle de água, luz, etc. Não cabe exigir-se do proprietário a participação na conta comum de eletricidade, p.ex., ou requerer que custeie despesa com manutenção de elevador; a unidade autônoma não é beneficiada com a limpeza das áreas de uso comum, outrossim, efetuando o condômino a própria limpeza e manutenção da unidade.

“Fere o bom senso exigir-se que o condômino, na espécie, pague por serviço de que não usufrui (e nem poderia, dada a localização da loja, inocorrente benefício e uso da área comum).

“Este é, exatamente, o exemplo fornecido por FRANCO & GONDO (CONDOMÍNIO EM EDIFÍCIOS, Editora RT, p. 135):

‘(…) lembre-se o caso do proprietário de loja, com acesso direto à via pública, sem necessidade de utilizar-se do elevador, do abastecimento de água, luz e força do edifício. Não usufruindo tais serviços, comuns, a ele não cabe contribuir para sua manutenção’.

“Ainda os mesmos autores:

“Nas construções de edifícios (…) contendo lojas no andar térreo e apartamentos na parte superior, tendo as lojas acesso direto à via pública e contando com ligações diretas aos serviços de utilidade pública (…), em comum com as demais unidades do edifício são apenas o terreno, o telhado, as paredes externas e divisórias das unidades autônomas e outras coisas ou áreas que, por sua natureza ou destinação, pertencem a todos os condôminos” (op. cit., p. 24).

“Nenhuma assembleia, ata, regulamento ou convenção pode ir de encontro a tal realidade, por um imperativo lógico”.

“O condômino somente pode suportar, na proporção de sua participação no condomínio, as despesas de conservação das coisas de cuja utilização efetivamente participe. Onde não existe o gozo e/ou o uso da coisa comum, não existe obrigação de suportar as correspondentes despesas. Como no caso”.

A nova convenção de condomínio não é LEI, não é absoluta e nem pode ir de encontro à LEI. Tal, independe do quórum, da forma adotada, do registro. Então, primeiramente, atente-se para o fato de que nem tudo o que a Convenção de Condomínio disser será fato, será “lei entre os condôminos”, se o dito ferir a lei e a lógica.”

“E a lei determina a contribuição do condômino naquilo em que o mesmo efetivamente for partícipe na despesa (Lei 4591/64); o demais é abuso de direito originário dos demais condôminos, interessados em aumentar o rateio das despesas para diminuir suas próprias contribuições. Não colhe.

Fere o bom senso (e a lei) exigir-se que o condômino, na espécie, pague por serviço de que não usufrui (e nem poderia, dada a localização da loja, inocorrente benefício e uso da área comum).”

Assessoria – Sendo o condômino, minoria, é aconselhável ter acompanhamento jurídico de um especialista para expor seu problema na assembleia, pois a experiência tem comprovado que o grupo majoritário, em algumas situações, comete abusos, sendo comum constranger, ofender aquele que está em menor número ou fraudar a ata ao negar inserir os argumentos de quem está sendo prejudicado. O autoritarismo e o desrespeito para impor uma vontade não tem limites, pois o grupo em maior número entende que pode tudo e que não há lei que impeça seus objetivos, mesmo que sejam injustos.

Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis BH-MG



“”FONTE: JORNAL DO SÍNDICO – ARACAJU-SE””